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- Capítulo 23
Lavaridge
era uma pequena aldeia situada no oeste da região de Hoenn. Por estar tão
próxima do vulcão no interior do Mt. Chimney, a localidade era visitada por
vários turistas que procuravam as águas quentes da sauna pública. Era um
verdadeiro local de encontro entre pessoas de todas as idades e Pokémon de
espécies distintas, pois acreditava-se que as águas termais eram terapêuticas e
responsáveis por resolver vários problemas de saúde de qualquer ser humano.
Para
além dos edifícios do Pokémon Center e Poké Mart no norte da civilização,
existia ainda um pequeno imóvel, a sul, onde funcionava o Lavaridge Gym. Era
uma estrutura simples e modesta, convidativa para qualquer Treinador Pokémon
que tivesse a ousadia de desafiar o Líder de Ginásio especializado em Fire-Type.
Do lado este, erguiam-se várias habitações privadas e pequenos estabelecimentos
comerciais.
No
interior de uma das residências, um rapaz permanecia sentado sobre a sua cama.
Tinha as pernas cruzadas e as costas junto à parede do pequeno quarto. À sua
frente, um ovo Pokémon balançava sozinho. Algo no seu interior se agitava,
cheio de vida. Não tardou para que a casca dura do ovo começasse a estalar, à
medida que pequenos grunhidos começavam a fazer-se ouvir pelo quarto. O menino
abriu os olhos com muita força, observando com toda a atenção a pequena
criatura que nascia mesmo à frente do seu nariz.
Era
um Pokémon bípede de corpo encarnado com um desenho amarelo em formato de chama
na sua barriga. Os seus membros eram curtos e continham três presas nas
extremidades. Da sua boca amarela e arredondada saía uma respiração quente e um
tanto descontrolada. A criatura parecia ambientar-se à atmosfera do exterior do
ovo onde crescera até então.
O
rapaz segurou a sua respiração e, depois de fitar a figura do Pokémon durante
alguns minutos, saltou da cama e correu em direção a uma estante de livros.
Pegou num deles de forma quase automática. Nem precisou de ler o título, pois
reconhecia aquele objeto como a palma da sua mão. Era o seu livro preferido,
onde estavam descritos todos os Pokémon Fire-Type do mundo Pokémon
descobertos até então. Folheou o manual, observando com atenção os vários
desenhos apresentados, à procura de um semelhante àquela criatura que permanecia
de pé sobre a sua cama. Após alguns momentos de agitação, parou a sua busca
numa página onde a ilustração se assemelhava bastante ao Pokémon que acabara de
nascer.
-
Ma-Magby. – murmurou, falando num tom baixo para não assustar o Pokémon. – É esse
o teu nome? – perguntou, observando-o com atenção. Mas a pequena criatura nada
respondeu, apenas o fitou em silêncio. – Aqui diz que és um Pokémon bastante
tímido e calmo, por natureza. E, quando ficas feliz, lanças pequenas chamas
pela boca e pelo nariz. Também diz que gostas de relaxar perto de vulcões, ou
até mesmo dentro do magma. É verdade? – voltou a levantar os olhos na direção
do Fire-Type, que continuava em silêncio. O rapaz suspirou, percebendo
que não iria registar qualquer resposta vinda do Pokémon. – Talvez o meu pai
nos possa ajudar. – murmurou. – Pai! Pai! – chamou, num tom de voz mais
elevado, fazendo a criatura estremecer.
Ouviram-se
vários passos. A porta do quarto abriu-se e um senhor apareceu logo atrás, com
um olhar cansado, mas curioso por ouvir a voz do seu filho chamar por si.
Voltou o seu olhar para o rapaz que permanecia em pé, sem sequer reparar no
Pokémon em cima da cama, rodeado de cascas de ovo quebradas.
-
Kabu? O que se passa? – só depois se apercebeu da presença de outro elemento no
quarto. – Oh! – exclamou, surpreso. – Nasceu!
-
Sim! Olha! – anunciou o mais novo, levantando o livro no ar. – Acho que é este
Pokémon. Magby. – apontou.
-
É, sim. Tens razão. – o homem sorriu e aproximou-se da pequena criatura, que o
observava em silêncio. – Bem-vindo, querido Magby. – murmurou, afagando a sua
cabeça.
-
Ele está tão calado. Não diz nada. E tu disseste-me que conseguias compreender
sempre os teus Pokémon… mas, como? Eles não falam!
O
homem deixou escapar um pequeno riso.
-
Calma rapaz. – murmurou. – O Magby acabou de nascer. E tu tens apenas dez anos.
Para se compreenderem um ao outro, devem conhecer-se melhor a vocês mesmos e,
depois, criar uma forte ligação que não precise de qualquer linguagem verbal.
-
Mas ele é um Fire-Type, certo? Papá, tu prometeste que eu ia ter um
Pokémon tão ardente como os teus…
-
É sim. Eu próprio me certifiquei disso antes de te oferecer este ovo. –
assegurou. – Agora o Magby é o teu Pokémon Inicial. Têm todo o tempo do mundo
para se conhecerem. A qualquer momento, a vossa aventura vai começar. – falou,
num tom entusiasmado.
-
Mal posso esperar para começar a minha jornada por Hoenn! Vou capturar tantos
Pokémon Fire-Type! Vou lutar contra os Líderes de Ginásio, incluindo tu,
pai! O melhor Líder de Ginásio de Pokémon Fire-Type! – sublinhou. – E
depois vou lutar para me tornar Campeão!
O
homem riu, testemunhando as declarações sonhadoras do seu filho.
-
Claro que sim. Se quiseres, tudo é possível, Kabu.
-
Sendo assim, talvez consiga convencer os pais da Regina a deixarem-na viajar
comigo!
-
Podemos tentar conversar com eles. – concordou o senhor. – Mas com calma. Sabes
que não é muito comum jovens raparigas saírem em
jornadas Pokémon…
• • •
Kabu
encontrava-se de pé, em frente à porta de sua casa. As suas roupas gastas e
sujas e o seu cabelo negro e despenteado refletiam as viagens atribuladas do
rapaz, agora adolescente. Vários e longos meses se passaram desde a última vez
que ali estivera.
Depois
de respirar bem fundo, levou a mão à maçaneta da porta e rodou-a, abrindo-a. O
silêncio e a escuridão predominavam no interior da habitação que parecia
adormecida. Depois de dar alguns passos em direção à sala, as luzes da divisão
acenderam-se quase de forma automática, revelando o corpo de vários conhecidos
do rapaz.
-
Surpresa! – gritaram todos ao mesmo tempo.
Um
par de grandes braços rodeou o corpo de Kabu. O seu pai apertou-o, enquanto
tentava esconder as lágrimas que rolavam pelas suas bochechas. Estava feliz por
ter o seu filho de regresso a casa. E o pequeno Kabu também estava aliviado por
estar, de novo, nos braços do seu querido pai.
-
Tive tantas saudades tuas, meu rapaz! – exclamou o senhor, com os olhos
vermelhos. – Passou tanto tempo desde que partiste.
-
Foi uma longa jornada. – foi a única coisa que Kabu conseguiu dizer.
-
Estou feliz de te ver de novo. – murmurou o homem. – Sei que não gostas muito
de surpresas, mas estavam todos tão ansiosos para o teu regresso. Tinha de
preparar uma pequena celebração.
-
Não há grande coisa para celebrar, pai. – respondeu, baixando os olhos.
-
Mas é claro que há! – exclamou o mais velho. – Vem cá querida Regina, tenho a
certeza de que o Kabu tem saudades tuas.
O
pai largou o seu filho e afastou-se, voltando-se para encontrar o resto da
multidão presente. Os olhos de Kabu, por sua vez, voltaram-se para a figura de
uma jovem sorridente de cabelos encarnados. O seu rosto parecia reluzir
enquanto fitava a figura do rapaz.
-
Olá. – saudou, numa voz animada mas surpreendentemente calma.
-
Regina. – sorriu ele, não deixando de reparar nas pequenas mudanças físicas da
sua amiga tão especial. – Tiveste saudades minhas? – brincou.
-
Algumas. – riu.
-
Eu acho que tive mais. – assumiu Kabu, coçando a parte de trás da cabeça.
-
Ouve… - murmurou ela, num tom reticente. – Podemos falar noutro sítio?
O
treinador piscou os olhos e só depois se lembrou da quantidade de pessoas
presentes na mesma divisão onde os dois adolescentes se encontravam. Kabu
esquecera-se que, quando estava com Regina, perdia completamente a noção de
tudo o que se passava à sua volta.
O
rapaz assentiu e, depois de cumprimentar algumas das pessoas presentes,
incluindo amigos e vizinhos de toda a aldeia, abandonou a divisão, caminhando
na direção do seu quarto, acompanhado pela rapariga. Depois de dar uma vista de
olhos às paredes que o vira crescer, o rapaz sentou-se sobre o colchão da cama
e fez um gesto, para que Regina fizesse o mesmo.
-
Está tudo bem? – perguntou, num tom de voz preocupado.
-
Comigo sim. – respondeu, com um sorriso. – Lavaridge continua calma como
sempre. Comecei a trabalhar com os meus pais há uns meses. Está a ser uma
experiência muito divertida.
-
Fico muito feliz por ti, Regina.
-
Obrigado. – sorriu de novo, revelando os seus dentes desalinhados, mas
encantadores para os olhos de Kabu. – Então, e tu? Como foi a tua aventura por
Hoenn?
-
Memorável. – murmurou, num tom pensativo. – O ritmo de viagem é tão alucinante.
Parece que te perdes no tempo, sabes? Às vezes é um pouco sufocante, mas a
adrenalina que as novas experiências te fornecem é fantástica. – ele falava,
num tom efusivo. – Enfrentar os Líderes de Ginásio é sempre um acontecimento
marcante. Afinal, é um evento decisivo para a tua carreira como Treinador
Pokémon. Assim como participar na Hoenn League Conference. Infelizmente, nem
tudo correu como eu queria. – suspirou.
-
Lamento muito, Kabu. De verdade. – a jovem murmurou e a sua mão encontrou a do
rapaz, acariciando-a calmamente.
-
Eu dei tudo de mim, Regina. Pensava que estava pronto para um desafio tão
grande. Mas estava tão enganado!
-
Eu percebo que estejas desiludido, mas não te culpabilizes, por favor. – pediu,
como se suplicasse ao amigo.
-
Senti tanto a tua falta. – murmurou Kabu, apertando a mão da amiga.
-
Estamos aqui agora. – sorriu ela. – Temos todo o tempo para recuperar aquilo que
perdemos.
-
Na verdade, eu não sei por quanto tempo vou ficar aqui.
-
Oh, claro. – Regina deixou escapar um pequeno riso. – Tens de ir agradecer a
presença de todas as pessoas que vieram hoje. Foi um gesto muito bonito, sabes?
-
Não. – interrompeu. – Eu refiro-me a Lavaridge. Eu não sei por quanto tempo vou
ficar cá.
O
quarto foi, automaticamente, invadido por uma onda de silêncio. Regina fitou o
rosto de Kabu. Agora reparava que o seu amigo tinha uma expressão no rosto mais
rígida e séria do que há alguns anos atrás. Eram marcas de todas as
experiências que vivera fora, sem a presença dela. Por sua vez, a rapariga
permanecera ali, na sua cidade preferida, onde sempre vivera e se sentia feliz.
Não tinha qualquer desejo de sair de Lavaridge. Aquele era o seu mundo. Por
mais que, para Kabu, aquela aldeia se parecesse cada vez mais pequena.
-
O que queres dizer com isso?
O
jovem treinador levou a mão ao bolso das calças, retirando um pequeno bilhete
amarrotado. Depois de o observar por rápidos segundos, mostrou-o à sua amiga,
que leu com atenção “Vem visitar a região de Galar! Novas e grandiosas
aventuras estão à tua espera!”. Atrás das letras gordas, um mapa vertical
ganhava forma.
-
Acho que vou partir numa nova aventura. – anunciou.
-
Galar? – repetiu ela. – Onde é isso?
-
Não sei bem. – Kabu encolheu os ombros, voltando a guardar o pequeno papel no
bolso. – Mas parece-me interessante e convidativo.
-
Mas, vais viajar outra vez? Eu pensei que uma jornada por Hoenn fosse o teu
sonho.
-
E era! – o jovem exclamou, levantando-se do colchão. – Mas já está concluído.
Preciso de algo novo agora! Algo que me dê um propósito para continuar à
descoberta. Foi isso que descobri sobre mim nesta jornada. Eu quero aprender
mais! Mas não vou conseguir fazer isso aqui, em Lavaridge. – abriu os braços no
ar. – Há um mundo lá fora para ser descoberto. Novos Pokémon Fire-Type
que eu posso capturar! – disse, num tom entusiasmado. – Consegues imaginar?
Regina
piscou os olhos, um tanto atónita. As saudades que sentia pelo rapaz, e que
pensava que poderia curar com o seu regresso, afinal, iriam durar por mais
tempo.
-
Eu sou feliz aqui. – murmurou ela, num tom sincero.
-
Vem comigo, Regina. – pediu o rapaz, ajoelhando-se no chão do quarto, de frente
para a jovem. – Vamos viajar juntos! Não queres fazer novas amizades? Capturar
Pokémon? Isso está tudo ao nosso alcance!
A
jovem suspirou. Sentia-se incompreendida pelo seu melhor amigo. Nada daquilo
que ele falava com tanta admiração lhe parecia interessante ou entusiasmante.
-
O teu pai sabe disto? – perguntou. – Ele sofreu muito com a tua ausência, Kabu.
Porque não ficas por aqui e o ajudas no Lavaridge Gym? Tenho a certeza de que
com ele poderás descobrir mais coisas sobre os Pokémon que tanto gostas.
-
Ele vai ficar bem. – murmurou o rapaz, ainda ajoelhado no chão. – Eu sei que
ele me vai compreender e apoiar. Foi sempre ele que me incentivou a perseguir
os meus sonhos. – explicou, com um sorriso nos lábios.
A
rapariga passou a língua pelos lábios secos, um tanto incrédula com as palavras
que ouvia. Parecia que nada daquilo que ela dizia importava. Kabu já tinha a
sua decisão tomada. Não seria ela que o iria fazer mudar de ideias.
-
Muito bem. – Regina assentiu e levantou-se, surpreendendo o rapaz. – Parece que
tens a tua decisão tomada, não é? Não estou aqui a fazer nada, portanto. – e
abriu a porta do quarto, batendo-a atrás de si, enquanto desaparecia pelo
corredor da casa.
Kabu
permaneceu imóvel, na mesma posição. Apesar do quarto silencioso, lá fora, os
convidados da sua celebração pareciam mais animados do que ele mesmo.
-
Regina? – murmurou, numa voz trémula.
Estava
confuso com as palavras e a atitude da sua melhor amiga. Por algum motivo, ela
não conseguia partilhar da sua felicidade. Tudo o que o jovem treinador
desejava naquele momento era, de facto, ser compreendido e auxiliado pelas
pessoas que ele mais admirava. Mas não obteve qualquer resposta. Afinal, estava
sozinho.
• • •
Os
olhos de Kabu eram pequenos, mas curiosos. Observavam atentamente a disposição
da Route 3, em Galar, local onde, ao longe, um grande
edifício começava a ser construído junto de uma longa caverna.
Assemelhava-se a uma fábrica, mas o conhecimento limitado de Kabu não lhe dava
qualquer certeza.
Habitualmente,
ocupava os seus estudos com estratégias de batalha, que o levassem à vitória de
maneira rápida e eficaz. Mesmo se, para isso, os seus Pokémon tivessem de dar o
máximo de si, incluindo sofrer um pouco. Mas Kabu não se deixava conduzir pelas
teorias emocionais do ser humano. Ele era, de facto, um ser racional, sendo a
vitória o seu principal objetivo.
Na
viagem de Hoenn para Galar, ouvira alguns homens com ar importante conversarem
sobre a forma como aquela região se desenvolvia rapidamente. Pelo que
percebera, as cidades da região começavam a crescer graças ao fenómeno da
industrialização, que fazia os postos de trabalho aumentar, gerando mais
dinheiro para todos. Mas ele não estava muito preocupado com a questão
monetária da vida. Tudo o que ele queria era viajar livremente e descobrir
novos Pokémon.
Mesmo
por essa razão, o adolescente segurava agora um aparelho eletrónico que parecia
velho e pesado. Alguns fios saíam do seu interior e os botões pareciam
encravados. Na verdade, aquele era um dos primeiros modelos do Pokédex de
Galar, que recebera da jovem Professora Magnolia, assim que chegara à região.
Apontava o objeto na direção de uma pequena criatura de corpo encarnado,
semelhante a uma centopeia.
-
Sizzlipede, um Pokémon Fire-Type e Bug-Type. – o Pokédex soltou
uma voz robótica lenta e arrastada. – Armazena gás inflamável no seu corpo,
gerando calor. Envolve os adversários no seu corpo, queimando-os e mordendo-os.
Kabu
levou a mão ao bolso, pegou numa esfera colorida em tons de cinza e amarelo e
lançou-a ao ar, revelando o corpo de uma tartaruga encarnada. As narinas e a
carapaça de Torkoal expulsaram fumo quente, captando a atenção da pequena
centopeia que atacou com Ember, no entanto, o ataque não tivera grande
impacto sobre a figura imponente de Torkoal.
-
Flame Wheel.
O
corpo de Torkoal envolveu-se em chamas flamejantes, rodopiando na direção da
pequena centopeia. No entanto, ao contrário do que Kabu previra, Sizzlipede não
revelara qualquer dano sofrido. O jovem arqueou a sobrancelha e voltou a sacar
do aparelho eletrónico, procurando informações sobre o seu adversário.
-
Flash Fire. – falou o Pokédex, lentamente. – A habilidade de Sizzlipede
protege-o contra ataques Fire-Type. Quando é atingido por um, o seu
poder aumenta.
Kabu
semicerrou os olhos, observando a pequena criatura com atenção. À primeira
vista, poderia parecer inofensiva, mas agora parecia revelar-se cada vez mais
interessante e surpreendente. A centopeia avançou na direção do adversário,
voltando a atacar com Bite, fazendo o Pokémon de Kabu recuar
ligeiramente.
-
Não deixes que ele ganhe terreno. – murmurou, cerrando o punho. – Smog.
Torkoal
abriu a boca e lançou um fumo negro e espesso contra o corpo de Sizzlipede, que
foi lançado contra o chão. Subitamente, o Bug-Type sentiu o seu
corpo ser invadido por uma onda de veneno, fazendo-o grunhir de dor.
Kabu
esboçou um sorriso de lado, feliz por ver a sua estratégia funcionar. Voltou a
deitar a mão ao bolso, desta vez pegando numa Ultra Ball vazia. Depois de fazer
pontaria, atirou a cápsula com toda a força contra o corpo de Sizzlipede que,
indefeso, se deixou capturar facilmente.
-
Muito bem! – exclamou, recebendo a atenção de Torkoal. – Capturei o meu
primeiro Pokémon em Galar!
• • •
O
estádio estava ao rubro. As bancadas encontravam-se de pé, soltando exclamações
efusivas e orgulhosas. Terminava mais um confronto entre o Campeão de Galar,
Mustard, e o orgulhoso e corajoso desafiante, Kabu.
O
rosto do rapaz mais velho rasgava-se num grande sorriso, ao mesmo tempo que
levantava os braços no ar, acenando para todos os seus apoiantes. Era o Campeão
de Galar há alguns anos, apesar de ser ainda jovem. As suas roupas eram simples
e humildes, tal como ele. Especializava-se em Pokémon Normal-Type,
acreditando que eles representavam todas as diferentes espécies que existiam.
Do
outro lado do recinto, o jovem treinador segurava uma expressão mais séria e
apática no rosto, tentando manter a compostura, mesmo depois de mais uma
importante derrota na sua jornada.
-
Fô um combate brilhante! – exclamou o vencedor, aproximando-se do centro do
campo de batalha, onde Kabu o conseguia escutar. – Parabêns! – saudou, num tom
afetivo e um tanto desleixado, como era costume.
-
Não, não. – murmurou. – Eu é que te devo felicitar. Os teus Pokémon Normal-Type
são fenomenais. O vosso poder é incomparável. – por mais que lhe custasse
reconhecer tal facto, sabia que era a realidade.
-
Já sôn alguns anos de trabalho. – sorriu. – A força e a resistência de cada
Pokémô vem do sê interior. Eu apenas oriento.
-
Com certeza, aposto que tens imensas histórias para contar. Mas não podemos
ficar aqui para sempre. – as palavras de Kabu saíram um pouco mais frias e
bruscas do que ele pretendia. Na verdade, a única coisa que ele queria, naquele
momento, era sair dali e esquecer a vergonha de mais uma derrota.
-
Tu tambê deves ter imensas histórias p’ra contar. Vens de Hoenn, né? –
perguntou, ignorando as palavras do outro. – Fô lá que aprendestes essa tua
forma de lutar tã’ efusiva?
-
Eu gosto de usar e mostrar a força máxima dos meus Pokémon. Penso que não há nada
de errado com isso.
-
S’calhar essa nã é a melhor estratégia p’ros teus Pokémô. – Mustard adotou uma
postura mais ereta. – Nã pensas no qu’eles acham? É importante que também sejam
felizes.
-
A vitória é o meu principal objetivo. – Kabu respondeu prontamente, cruzando os
braços à frente do seu peito.
-
Mesm’assim, nã consegues vencer, né? Em Hoenn, agora aqui… eu fico muto triste,
rapaze. Acho que tens potencial. – respondeu, num tom que muitos achariam rude,
mas aquele era o lado ingénuo de Mustard a falar mais alto.
Kabu
mordeu o seu lábio, tentando controlar as palavras que ameaçavam saltar da sua
boca. Fechou os olhos por curtos segundos e, logo a seguir, esboçou um fraco
sorriso enquanto estendia a mão em frente. Mustard fitou o seu rosto por alguns
segundos. Tentava decifrar a expressão fabricada no rosto do jovem à sua
frente, mas parecia difícil percebê-lo. Naquele momento, entendeu que Kabu era
um rapaz complexo, mas com um potencial enorme por explorar. Acabou por apertar
a sua mão, de forma amigável e respeitosa.
-
Até um dia, Mustard. – murmurou o rapaz, antes de virar costas ao Campeão de
Galar.
• • •
Motostoke
deixava-se invadir, a um ritmo descontrolado, pelas inovações industriais. A
cidade, que há anos atrás tinha poucos habitantes e locais de interesse,
começava a expandir-se graças aos grandes desenvolvimentos da engenharia e da
tecnologia. Para além das várias fábricas e empresas construídas, foi ainda produzido
um segundo piso da localidade, de forma a responder às necessidades da época.
Um alto edifício começava a ganhar forma no piso superior, onde, em breve, um
hotel luxuoso deveria tomar lugar. Foi construído outro Pokémon Center e o
antigo edifício, onde funcionava o ginásio tradicional da cidade, encontrava-se
em processo de renovação profunda.
Perto
daquele local, Kabu encontrava-se sentando sobre um banco de rua. O seu rosto
parecia vazio e o olhar era vago, enquanto observava o chão da calçada sem
interesse. Batia o seu pé no passeio, de forma despercebida e descontrolada.
Parecia ansioso. Afinal, estava à espera daquele momento há imenso tempo.
Por
estar tão adormecido e concentrado nos seus pensamentos, nem se apercebeu de
uma figura que se aproximava da si.
-
Convidaste-me para vir a uma cidade que, basicamente, está a ser construída?
Esqueci-me de trazer um capacete e um martelo.
O
jovem levantou o seu rosto, surpreso com o que acabara de ouvir. Os seus olhos
encontraram o rosto alegre e brilhante de Regina. Quase que de forma
automática, a sua expressão facial iluminou-se, enquanto observava a figura da
sua amiga tão especial. Agora usava roupas mais modernas e penteava o seu
cabelo encarnado de forma diferente. Parecia mais adulta, tal como ele, que usava
vestes mais compostas a limpas, penteava o seu cabelo e tinha a atitude destemida
de um jovem adulto. Aquela era a primeira vez que os dois se reencontravam
depois de alguns anos passados desde a sua última discussão.
-
Regina. – murmurou, levantando o seu corpo do banco, abraçando a rapariga.
-
Eu mesma. – murmurou, sentindo os braços do amigo à volta do seu corpo. Algo
que ela sentia falta. Por momentos, desejou ficar ali para sempre. Mas não
tardou para que o cumprimento afetuoso se desfizesse.
-
Obrigado por vires. – afirmou de forma educada, fazendo sinal para que ela se
sentasse no banco de madeira. – Como correu a viagem?
-
Um pouco atribulada, mas cheguei bem. – respondeu sorridente, sentando-se ao
lado do amigo. – Deixei as minhas coisas no Pokémon Center antes de te
encontrar.
-
O que achas? – perguntou, abrindo os braços no ar. – A revolução industrial invadiu
Motostoke!
-
Sim… parece-me interessante. – disse vagamente. – Muitas coisas novas que não
existem em Hoenn.
-
Estão a alargar as cidades por todo o território de Galar. E há quem diga que,
em breve, vão estabelecer ligações entre as várias localidades da região
através de uma linha ferroviária! – exclamou. – Consegues imaginar?
-
De facto, parece uma brilhante ideia. – riu. – Os Galarianos são muito
inovadores.
-
E também estão a renovar os antigos ginásios. Agora vão mudar de nome. – explicou,
apontando para um edifício ali perto. – Em breve, ali vai-se encontrar o
Motostoke Stadium. E eu, Kabu, vou ser o Líder de Ginásio especializado em
Pokémon Fire-Type.
-
O quê?! – a expressão de Regina mudou drasticamente. A sua boca abriu-se, em
tom de admiração, enquanto os seus olhos começavam a brilhar.
-
Sim. Era isso que eu te queria contar. Queria que fosses a primeira a saber. –
sorriu.
-
Kabu… uau. – murmurou. – Isso é espantoso. Estás feliz? Oh, o teu pai… tens de
lhe contar!
-
Sim, sim. – assentiu. – Acho que estou numa fase muito feliz da minha vida. –
sorriu. – Em breve irei contar ao meu velhote, sim. – brincou ele.
-
Tenho a certeza de que ele vai ficar ainda mais orgulhoso do que eu. – Regina
esboçou um pequeno sorriso e posou a sua mão sob a do amigo. Kabu corou
ligeiramente. – Mas… como é que isso aconteceu?
-
Bom, apesar de não ter vencido a batalha contra o Mustard, parece que chamei a
atenção de vários olhares curiosos. – começou. – A família real contactou-me e
fizeram-me um convite bastante formal. Sabes, do género que eu adoro. – brincou
ele. – Enfim, apesar de não compreender a obsessão com toda a ostentação,
acabei por aceitar. Sinto que, finalmente, estou a ser valorizado, percebes? –
Regina assentiu, enquanto o ouvia. – É um bom trabalho. Um bom título. Serei
respeitado e levado a sério, como sempre quis. – afirmou, deixando escapar um
pequeno riso. – E acho que encontrei o sítio onde me sinto feliz. Como se
estivesse em casa. – disse, de forma sincera.
-
Isso é muito bom, Kabu. – a jovem sorriu, acariciando a mão do rapaz. – É pena
estares tão longe. Não sentes saudades de Lavaridge?
-
Na verdade, não. – respondeu prontamente. – A única coisa de que sinto falta é do
meu pai. – fez uma pausa. – E de ti, obviamente.
-
Oh, Kabu… - Regina sussurrou. Sentiu as suas bochechas aquecerem e os olhos do
seu amigo agora pareciam penetrar os seus olhos. Pela primeira vez que ali
chegara, observou o seu rosto com atenção. As suas faces eram magras e
vincadas. O seu cabelo penteado dava-lhe um ar ainda mais elegante. Pela
primeira vez, Regina sentiu algo quente arder no seu corpo.
-
Mas podemos resolver isso. – ele murmurou, apertando a mão da jovem. – Vamos
ficar juntos. De uma vez por todas.
Kabu
não conseguiu resistir mais tempo. Aproximou o seu rosto ao de Regina e, de
forma calma e leve, beijou os lábios da jovem amada. Tinham um sabor que ele
nunca tinha provado antes. E ele queria deliciar-se mais. Mas não era o único.
O corpo de Regina começava a ganhar vida e a falar por si. A rapariga puxou a
mão de Kabu para o seu colo, fazendo os seus corpos aproximarem-se ainda mais,
prolongando o beijo por segundos intensos.
-
Queria que tivesses feito isso há mais tempo. – admitiu ela.
-
Estou farto de estar sozinho. – murmurou Kabu. – Sou um homem completamente
diferente quando estou contigo. Não sei como ou porquê. Mas é verdade. – a
jovem sorriu, meio envergonhada por ouvir aquelas palavras saírem da boca do
seu mais que tudo. – Vem para Galar. Vamos viver juntos. Eu posso tomar conta
de nós. O cargo de Líder de Ginásio é muito mais respeitado aqui do que em
Hoenn. Posso dar-te tudo o que queres. – sussurrou, num tom irresistível.
-
A única coisa que eu quero é estar contigo, Kabu. Mas eu não posso deixar a
minha família para trás. Lavaridge é o meu berço. – insistiu.
-
Não quero saber. – contrapôs o rapaz, pegando nas mãos da amada e juntando-as
contra o seu peito. – Quero casar contigo, Regina! – exclamou finalmente.
Aquilo era algo que ele desejava gritar há imenso tempo. – Por favor, diz que
sim. Depois resolveremos esses detalhes. Mas agora só te quero para mim. Em
Galar ou em Hoenn. Quero que estejamos juntos.
Uma
expressão de surpresa e admiração invadiu o rosto de Regina. O homem dos seus
sonhos declarara-se a ela, pedira-a em casamento e estava disposto a lutar para
que ambos construíssem uma relação saudável. Era impossível ela resistir àquela
proposta. Era o seu sonho desde há muito tempo. A felicidade estava mesmo ali,
em frente aos seus olhos.
-
Sim. – respondeu finalmente. – Sim!
• • •
Cumprindo
os sonhos e os desejos da sua amada, Kabu regressou a Lavaridge para o seu
casamento com Regina. A estadia, que inicialmente iria durar durante as
primeiras semanas do noivado, acabou por se prolongar durante longos meses,
depois de o jovem casal engravidar. Sem qualquer intenção de regressar a Galar
tão cedo, Kabu viu-se obrigado a abandonar o seu cargo de Líder de Ginásio de
Motostoke. Apesar de ser uma questão que incomodava o adulto, agora estava
concentrado em providenciar uma boa vida para a sua família.
Diariamente,
auxiliava o seu pai no Lavaridge Gym, mas rapidamente percebeu que o cargo de
assistente não se comparava ao de um Líder de Ginásio respeitado em Galar. O
nível de exigência do seu pai face aos jovens treinadores que o desafiavam, não
era elevado e isso desmotivava-o a defender um Líder de Ginásio com uma
prestação tão baixa. Ele desejava mais para si. Mas não sabia exatamente o quê.
Frustrações
profissionais à parte, a relação entre os dois amados parecia aquecer cada vez
mais. Com a presença de Kabu em Lavaridge, Regina sentia-se finalmente
realizada. Cada vez que passava a mão pela sua barriga e sentia o bebé no seu
interior, não conseguia deixar de sorrir. Ainda era difícil acreditar que
aquela criança tinha o homem dos seus sonhos como pai. Cada vez que Kabu
regressava a casa, depois de um dia atarefado, Regina fazia-o esquecer todos os
problemas do trabalho. Fazer o seu marido feliz era tudo o que ela desejava. E
ela sabia que ele merecia ser mimado e bem tratado, afinal, abdicara de uma
vida completamente diferente para estar com ela. A jovem adulta mal podia
esperar para que os três começassem uma nova vida familiar.
Foi
nas últimas semanas de gestação que Regina foi levada para o Pokémon Center a meio
da noite. As contrações aumentavam a cada hora e o nascimento do bebé do casal
estava próximo. Depois de ser internada num quarto individual, a equipa médica
começou a fazer os preparativos para o parto. Por questões de segurança Kabu e
o seu pai tiverem de aguardar na sala de espera.
Kabu
caminhava de um lado para o outro, soltando longos suspiros de cinco em cinco
minutos. O seu pai, por outro lado, parecia mais calmo. Permanecia sentando
numa das cadeiras que existia no corredor.
-
Tem calma, rapaz. Vai correr tudo bem. – assegurou.
-
Porque não me deixam entrar?! – exclamou, levantando os braços. – Eu queria
estar lá para a Regina.
-
Ela sabe que nós estamos aqui. – o senhor levantou-se e abraçou o filho, numa
tentativa de o acalmar. – Vá lá, ela está em boas mãos.
Nos
braços do seu pai, Kabu sossegou finalmente. Com o passar dos anos, esquecera-se
da segurança que aquele gesto lhe transmitia. E não conseguia deixar de pensar
que, em breve, seria ele próprio a acalmar o seu bebé.
-
Estou tão orgulhoso de ti, meu filho. Fizeste-me um pai babado. E, em breve,
serei avô.
-
Oh, pai. – murmurou, com os olhos molhados. – Eu estou a tentar fazer a coisa
certa aqui.
-
Eu sei que estás. – assentiu. – Mas não te esqueças que podes contar comigo
para tudo, está bem? Estou aqui para ti.
-
Obrigado. – as palavras de Kabu não poderiam ter saído de forma mais sincera.
Vários
passos agitados se fizeram ouvir pelo corredor. Kabu e o seu pai viraram-se,
encontrando o corpo de Enfermeira Joy.
-
O parto correu lindamente. – anunciou a mulher de cabelo rosa, esboçando um
sorriso rasgado. – Estão prontos para conhecer o novo membro da vossa família?
Os
dois homens assentiram, cheios de entusiasmo. Joy indicou o caminho até ao
quarto onde Regina e o recém-nascido se encontravam a descansar. Depois de
abrir a porta, o pai e o filho entraram em silêncio, de forma a não incomodar
nenhum dos presentes.
Regina
permanecia deitada sobre a cama. Nos seus braços, segurava o corpo de um bebé
que parecia adormecido. O rosto da jovem mãe parecia cansado e o seu cabelo
encarnado estava despenteado. Parecia cansada, depois de tantas horas de
esforço. No entanto, quando encontrou o rosto do marido e do sogro, não
conseguiu evitar um largo sorriso ao mesmo tempo que os seus olhos começavam a
brilhar.
-
Correu tudo bem. – murmurou baixinho. – Estou tão feliz. Ela é tão saudável.
-
Ela? – repetiu Kabu, aproximando-se da sua esposa e segurando as suas mãos
trémulas, enquanto espreitava o rosto da bebé adormecida. Parecia um pequeno
anjo.
-
Sim, querido. – assentiu. – É uma menina.
-
Oh, fantástico! – exclamou o agora avô, com tamanha felicidade.
-
Oh, Regina. – as lágrimas começaram a rolar pelo rosto de Kabu. O rapaz sentia
um orgulho gigante que nunca sentira anteriormente. – Somos pais de uma menina
maravilhosa.
A
mulher sorriu, passando a mão pela bochecha da bebé.
-
E como se chama a pequena? – interrogou o senhor, cheio de curiosidade.
Kabu
e Regina entreolharam-se. Durante toda a gestação, passaram grande parte do tempo
a discutir e debater diferentes nomes para o seu futuro bebé. Agora que ela
existia, de facto, e não era apenas um sonho ou imaginação, havia apenas um
nome que se parecia adequar à pequena criança com um pequeno tufo de cabelo
encarnado no topo da cabeça.
-
Flannery. – murmuram os dois ao mesmo tempo.
• • •
Kabu
permanecia sentado sobre a cadeira do seu escritório. Segurava o único telefone
de sua casa contra o seu ouvido. Tinha uma expressão séria e um tanto incrédula
no seu rosto, não acreditando nas palavras que ouvia do outro lado da chamada.
-
O quê?! – repetiu.
-
Qu’remos que regresses a Motostoke, Kabu. – a voz de Mustard era firme. – Desde
qu’abandonaste o tê cargo, a cidade nã é a mesma. Precisamos da tua energia d’volta.
-
Mas… eu não sei, eu não faço combates há imenso tempo. – confessou.
-
Vá lá, toda a gente sabe qu’o tê potencial nã se perde por falta d’experiência.
Isso ‘tá dentro d’ti.
-
Não Mustard, a minha família está aqui. – Kabu abanava a cabeça em negação.
-
Diz-me, ser assistente do tê pai no Lavaridge Gym é a mesma côsa que ser Líder
de Ginásio no Motostoke Stadium? Vá lá! Tu sabes perfêtamente q’os cargos entre
Galar e Hoenn nã se comparam. – a voz de Mustard silenciou-se por instantes,
aguardando alguma resposta de Kabu, mas o silêncio tomou conta da linha
telefónica e o Campeão de Galar voltou a falar. – Vós tendes uma filha pequena,
né? Consegues dar-lhe tud’aquilo qu’ela deseja com o ordenado de um assistente?
-
Mustard…
-
Kabu, esta é a tua oportunidade p’ra melhorares a condiçom da tua família. –
insistiu a voz do outro lado do telefone. – A decisão é tua.
-
Certo. – assentiu. – Posso ligar-te mais tarde?
-
Com certeza, rapaze.
Kabu
afastou o telefone do seu ouvido e pousou-o sob o atendedor de chamadas,
soltando um longo suspiro de seguida. A sua testa estava suada e a mão tremia.
Estava nervoso. E não era para menos.
Os
primeiros anos de vida de Flannery foram um desafio para os jovens pais que,
para além de serem obrigados a adaptar a sua rotina familiar, tiveram de ser
mais cautelosos e inteligentes com as suas despesas. Uma bebé exigia bens
materiais que nem Kabu ou Regina anteriormente tinham imaginado. O salário de
assistente do pai não era o melhor e a jovem mãe ocupava os seus dias com as
lides domésticas, pelo que não produzia qualquer tipo de rendimento. Mesmo com
a ajuda do avô, Líder de Ginásio de Lavaridge, as necessidades continuavam a
existir. Todos os dias surgia um novo desafio para a pequena família, que se
tinha de poupar na alimentação para garantir os bens primários para a menina.
Kabu
saiu do seu escritório e caminhou pelo corredor da casa, entrando na sala de
estar, onde a sua mulher e a pequena criança brincavam alegremente. Flannery
saltitava em cima do sofá amarrotado e Regina, sentada no chão, sob uma
almofada, cozia uma camisola já gasta.
-
Papá! – exclamou a criança, saltando para os braços de Kabu assim que ele
entrara na sala. O homem apanhou-a e passou os dedos pelos fios de cabelo
encarnados da filha.
-
O que estão a fazer as meninas? – falou num tom curioso.
-
Brincar. – riu Flannery.
-
Eu estou a coser alguma roupa. – murmurou Regina, com as mãos ocupadas.
-
Pois… eu gostaria de falar com vocês.
Kabu
sentou-se no sofá, segurando Flannery no seu colo.
-
O que se passa, querido?
-
Recebi uma chamada de Galar. – anunciou. – O Mustard fez-me um convite.
-
Oh. – o rosto de Regina modificou-se automaticamente e a mulher pousou as
agulhas e as peças de roupa ao lado do seu corpo. – Que tipo de convite?
-
Ele quer que eu regresse para Motostoke como Líder de Ginásio. – afirmou. –
Sordward e Shielbert, a família real, também me querem de volta. Segundo o que
ele explicou, a cidade perdeu o seu brilho sem a minha presença.
-
Papá ser importante! – exclamou a criança, batendo palmas.
-
O que respondeste?
-
Disse que iria pensar no assunto e voltaria a ligar mais tarde.
-
E já pensaste? – o rosto de Regina ficou mais sério.
-
É um convite deveras tentador. – comentou. – Ser um Líder de Ginásio em Galar
não é o mesmo que ser um assistente de um Gym em Hoenn. Quer dizer, a diferença
do salário é absurda. Não podemos negar que seria benéfico para nós. Não
teríamos de estar sempre nervosos com as poupanças, deixar de comprar as coisas
que queremos, ou remendar roupas velhas.
-
Certo. Não te dás bem com a pobreza e a humildade. – contestou a mulher, num
tom sério.
-
Não é isso, querida. Esta é uma oportunidade que pode mudar as nossas vidas!
Não desejas dar tudo do melhor para a nossa querida Flannery?
-
Ela tem tudo o que precisa aqui, em Lavaridge! – contrapôs.
-
Lavaridge, Lavaridge, Lavaridge! – repetiu o homem, levantando o volume da sua
voz. – Até quando vais ficar aqui presa, Regina? Não podes impedir a tua
própria filha de ter uma vida melhor porque insistes em ficar aqui! –
contestou.
-
Isto não é apenas sobre dificuldades financeiras, Kabu. – a mulher murmurou,
baixando o tom de voz. – Eu sei que não te sentes completamente feliz aqui,
apesar de teres uma linda família contigo!
-
A minha vida não é apenas a minha família. Há mais coisas que me fazem feliz.
Não vejo qual é o problema nisso.
-
Tu queres voltar para Galar porque é lá que te sentes feliz, não é? Com todo
aquele prestígio e poder, és um homem respeitado e com sucesso! Aqui não passas
de um falhado com uma família para sustentar.
Kabu
mordeu o lábio, controlando-se para não dizer nada que se pudesse arrepender mais
tarde. Não esperava que Regina tivesse aquela reação tão agressiva e fria face
à sua situação.
-
Eu estou muito orgulhoso da família que construímos os dois, Regina. Mas não
vou passar o resto da minha vida a fazer um trabalho que me deixa infeliz, numa
aldeia que limita o meu potencial! – exclamou ele, levantando-se do sofá com
Flannery nos braços. – Vou voltar para Galar. Vou ser o melhor Líder de Ginásio
de Pokémon Fire-Type de sempre e vou deixar a minha filha orgulhosa. Vou
enviar-vos mais de metade do meu rendimento e vou ajudar a minha família a sair
da pobreza. – anunciou com firmeza e seriedade. – Podes não reconhecer o meu
esforço agora, mas sei que me vais conseguir compreender no futuro.
E
saiu da divisão da casa, voltando para o seu escritório, onde brincou uma
última vez com a sua pequena Flannery, que, dali em diante, iria admirar o pai
por todo o seu trabalho. Na sala, sozinha, Regina deixou que as lágrimas
rolassem pelas suas bochechas, arrependida da discussão que provocara com o seu
marido, o homem dos seus sonhos. Apesar de tudo o que fora dito, continuava a
amá-lo.
• • •
Wyndon
Stadium gritava o nome de Leon. As bancadas ganhavam vida e pulavam em
sintonia, festejando a vitória do Campeão de Galar cheio de vida. Alguns dos
admiradores de Kabu, clareavam a garganta, defendendo o poder do Líder de
Ginásio de Motostoke, que defendia os Pokémon Fire-Type como mais
ninguém.
No
campo de batalha, as figuras dos dois homens eram rodeadas por drones
controlados por Rotom que gravavam e documentavam todas as reações a cada novo
segundo. Os Pokémon de cada um dos lados já não se encontravam no recinto, pelo
que apenas eles eram os protagonistas daquele momento.
-
Fico sempre curioso quando um Líder de Ginásio me desafia para um confronto. –
começou Leon. – Acho que é preciso muita coragem e dedicação para abandonar
esse cargo tão prestigiado e passar a ser um simples desafiador do Campeão de
Galar. Por isso mesmo, admiro muito o que fizeste aqui, Kabu.
-
Não é fácil sairmos da nossa bolha. – confessou. – Mas sinto que o precisava de
fazer. Por mim.
-
Mesmo que o resultado fosse uma derrota para ti?
-
Pois, claro. – assentiu. – A minha derrota contra ti, Leon, não invalida o meu
poder como Líder de Ginásio. Finalmente, percebo isso e reconheço aquilo que
valho. – afirmou de forma confiante.
-
Ótimo. – o moreno esboçou um sorriso, enquanto passava a mão pelo seu cabelo
azul.
-
Sou o melhor Líder de Ginásio que Motostoke alguma vez viu. Defendo os meus
Pokémon Fire-Type como se fossem os meus filhos. Foi por eles que
alterei o meu método de combate. Se lutasse como antigamente, então hoje
perderia num instante. – confessou, deixando escapar uma gargalhada. – Mas a
isso, eu chamo crescimento.
-
Kabu, a tua história é magnífica. – o jovem levantou os braços, soltando o seu
cabelo para trás das costas. O público nas bancadas seguiu as suas orientações
e explodiu numa salva de palmas emocionada.
-
Há muitos anos, tive de fazer a escolha mais importante de toda a minha vida.
Escolher a minha família ou o meu trabalho. Viver em Hoenn ou em Galar. E,
admito, não foi fácil. Deixar a minha família para trás parecia impossível. Mas
perder a oportunidade de ser feliz a fazer aquilo que adoro parecia idiota. –
naquele momento, todo o estádio estava em silencio, ouvindo atentamente as
palavras do homem. – Acho que todos sabem a decisão que tomei. – brincou,
deixando escapar um pequeno riso. – Voltei para Galar, para Motostoke, onde sou
feliz até hoje. E onde pretendo ser feliz até ao fim dos meus dias. Porque é
isso que me dá vida. Trabalhar. Defender aquilo em que acredito. E não
interessa se ganho ou perco. O mais importante para mim é transmitir uma
mensagem. – explicou, num tom de voz grave, mas suave ao mesmo tempo. – Penso
que foi por isso que, desde que voltei, alterei o meu método de batalha. A
minha versão mais jovem acreditava, com toda a sua alma, que vencer era o
principal objetivo. Alcançar o topo e o estrelato. Mas agora sei que isso não
passa de uma utopia banal. Eu cheguei ao topo da minha própria história.
Finalmente consigo reconhecê-lo. – esboçou um fraco sorriso e os seus olhos
ergueram-se na direção do céu. – Quanto à minha família, eu sei que eles me
entendem. O meu pai sempre me apoiou, incondicionalmente. Sou muito sortudo por
isso. Ele continua em Lavaridge, a auxiliar as mulheres da minha vida. O meu
primeiro amor, Regina, a minha querida esposa. Apesar dos momentos mais
difíceis, continuamos juntos. Somos diferentes, mas penso que é a diferença que
mais nos une. – as bancadas ligaram-se numa exclamação amorosa. – E o meu
segundo amor, a minha filhota, Flannery. – os seus lábios abriram-se num
sorriso rasgado. – Sei que ela sonha tão ou ainda mais alto que eu. E acredito
que ela vai ter o seu próprio sucesso. É uma jovem talentosa e cheia de energia
para dominar os Pokémon Fire-Type. É uma coisa de família. – riu. –
Portanto, Leon, tenho de te agradecer por esta oportunidade. Levo cada combate
como uma lição de vida. E espero que tu, e todas as pessoas que nos estiverem a
assistir, também pensem dessa maneira.
-
As tuas palavras são magníficas, querido amigo. Tenho a certeza de que todos nós
temos alguma coisa a aprender contigo. – aplaudiu o jovem. – Obrigado! – e as
bancadas voltaram a explodir num só som.
• • •
A
porta do escritório do Líder de Ginásio de Motostoke abriu-se, revelando um
homem alto, de pele morena, cabelo penteado, barba aparada e um fato cinzento e
elegantemente ajustado.
-
Rose. – Kabu levantou-se da cadeira onde estava sentado atrás da sua secretária
e apressou-se a cumprimentar o homem. – Por favor, senta-te. Queres beber algo?
-
Estou bem, obrigado. – respondeu, enquanto se sentava num sofá vermelho e
felpudo.
O
Líder de Ginásio sentou-se ao seu lado, deixando escapar um suspiro que revelava,
em simultâneo, preocupação e cansaço.
-
Lamento ter-te chamado aqui. Mas, como te expliquei, o assunto é urgente.
-
Vim o mais depressa que consegui. – assentiu o moreno. – O teu relatório
deixou-me surpreendido.
-
Temos de fazer alguma coisa, Rose! – o homem exclamou, em tom efusivo. –
Aqueles criminosos andam à solta! Podem magoar alguém!
-
Eu sei, eu sei. – o Presidente concordou, num ar incrivelmente calmo.
-
O que estás a fazer em relação a isso? Primeiro, atrevem-se a atacar o meu próprio
local de trabalho, depois o meu local de treino! Entretanto, já colocaram em
perigo outra instituição… - bufou. – Quando é que eles vão ser travados?
-
Kabu, garanto-te que estamos a fazer de tudo para que estes membros da Team
Yell sejam apanhados. Mas, terás de compreender que não é tarefa fácil. Por
mais que as suas missões pareçam desajustadas e desleixadas, eles têm incríveis
formas de desaparecer sem deixar rasto. – explicou Rose.
-
Só acho lamentável que jovens inocentes possam ser prejudicados por causa
deles. Eu sei o esforço que cada um deles faz para iniciar uma jornada. Sou
solidário com o que sentem. Já passei pelo mesmo. – murmurou. – E custa-me
pensar que o seu sacrifício possa ser destruído por causa de dois patifes sem
qualquer tipo de empatia.
-
Concordo contigo. E, por falar em jovens, como estão os teus desafios este ano?
Muitos Treinadores Pokémon por Motostoke? – questionou, num tom mais
diplomático do que anteriormente.
-
Nem fazes ideia. – o Líder de Ginásio esboçou um sorriso de canto. – É
impressionante. Os dias são tão atarefados e compridos. Mas adoro este ritmo
alucinante, sabes? Inclusivamente, tivemos de ajustar o Gym Mission para
incluir um maior número de desafiantes. É de loucos! – riu.
-
Nem imagino. – Rose sorriu e observou atentamente o escritório à sua volta. As
paredes encarnadas continham fotografias da infância e da família do Líder de
Ginásio. Por mais que tivesse distante daqueles que mais amava, eles estavam
sempre ali com ele. – Lutaste tanto por isto. Mereces todo o prestígio que
alcançaste.
-
Agradeço, Rose. – murmurou. – Mas não é altura de baixar os braços. Ainda há
muito por que lutar.
E
os seus olhos pousaram sobre uma moldura que permanecia de pé na secretária. Na
fotografia, Kabu e o seu pai faziam-se acompanhar de Regina e Flannery, ainda
em criança. Os quatro sorriam de forma divertida e alegre, inconscientes das
mudanças que o futuro iria trazer para aquela família. O Líder de Ginásio
esboçou um fraco sorriso, lembrando aquela memória feliz. A chama no seu
coração voltou-se a acender e sentiu o seu corpo aquecer. Sempre que precisava
de alguma energia ou apoio, era à sua família que recorria. E, agora, sabia que
estava pronto para prosseguir o seu percurso.
Este Capitulo foi extremamente fofo. Já é um dos meus favoritos da fanfic! Estes Capítulos focados nos Gym Leaders são sempre uma delicia. Acho impressionante a mudança de tom. Continue assim!
ReplyDeleteFico tão feliz por saber isso, Shi! Muito obrigado. Eu adoro criar estes capítulos focados em Líderes de Ginásio, permite-me ter mais liberdade criativa para expandir este universo mágico e lindo de Galar e também de Pokémon! Ansioso para construir os próximos!
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