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- Galarian Tales | Nunca te esqueças de mim
A
lua pairava por entre as muralhas do castelo de Hammerlocke. As ruas da cidade
eram invadidas pelas sombras recortadas do edifício, que contrastavam com a
iluminação dos altos candeeiros. O movimento nas avenidas começava a diminuir,
mas as almas noturnas insistiam em marcar presença entre o silêncio e a
escuridão da noite.
Um
rapaz de cabelo negro vagueava pelas redondezas do castelo. Os seus olhos roxos
espreitavam por detrás de uma máscara sem expressão que escondia os traços do
seu rosto. A roupa de tons escuros camuflava-se pelas sombras da rua.
Observava, de forma calma e curiosa, a arquitetura do grande edifício.
Permanecia em silêncio, atento a cada som e movimento que surgisse ao seu
redor. Parecia querer passar despercebido, como se evitasse qualquer contacto
humano.
-
Não é lindo?
O
jovem saltou. O seu corpo voltou-se de forma automática na direção da voz que o
surpreendera. Os olhos esbugalhados pareciam querer saltar do seu rosto, à
medida que encontravam a figura feminina a quem pertencia aquele timbre.
A
rapariga permanecia imóvel, de braços esticados ao lado do tronco. O seu corpo
era iluminado pelos candeeiros da rua, mas o rosto escondia-se pelas sombras.
Usava um vestido longo de cor púrpura que tapava os seus pés. O cabelo
azul-escuro, comprido e despenteado, caía-lhe pelos ombros. Parecia calma, mas
tensa, observando a figura do rapaz com atenção.
O
jovem hesitou, observando em redor. Não havia ali mais ninguém. A rua estava
deserta. Apenas ele e uma menina, que parecia ser alguns anos mais nova.
Estranhou a sua presença naquele local e àquelas horas da noite. Poderia estar
perdida, mas a forma como se apresentava era demasiado tranquila.
- S-sim. – murmurou ele, receoso. –
É historicamente belo.
- Peço desculpa se te assustei. – o
rapaz permaneceu em silêncio, fitando a menina emudecida. – Gosto de observar o
castelo à noite. Tu também?
- Sim. – balbuciou, surpreendido com
a ingenuidade que a voz da outra revelava.
- Tudo muda, mas o castelo de
Hammerlocke permanece igual há décadas. – o seu olhar arrastava-se pelas
muralhas do edifício, mas logo se voltou a concentrar na figura do jovem
silencioso. – Gosto da tua máscara.
- Oh. Obrigado. – o ar de surpresa
por receber tal elogio era evidente. Habitualmente, as pessoas questionavam e
protestavam a utilização da máscara que cobria o seu rosto. Mas aquela rapariga
era diferente.
- O que fazes por aqui? Acho que é a
primeira vez que te vejo.
- Sou um Treinador Pokémon. –
respondeu. Continuava a surpreender-se com a ingenuidade da jovem curiosa. No
entanto, por algum motivo, sentia-se confortável na sua presença.
- Um Treinador Pokémon? – repetiu.
-
Sim. – murmurou, fitando o vestido púrpura que arrastava no chão. – No fundo, é
alguém que parte numa viagem, acompanhado por Pokémon, rumo a um objetivo
específico.
-
E qual é o teu objetivo?
O
rapaz permaneceu em silêncio por alguns segundos, sentindo o olhar da jovem
desconhecida analisar a expressão pensativa no seu rosto.
-
Testar-me. Conseguir ultrapassar os meus medos.
-
Tens medo de quê?
-
Oh. Nada. – abanou a cabeça. – Esquece.
-
Seja o que for, espero que consigas enfrentar isso.
-
Obrigado. – assentiu e olhou em redor. Procurava algo que o pudesse ajudar a
escapar-se daquele encontro inusitado. Voltava a sentir-se desconfortável por
uma estranha lhe colocar tantas questões. – Parece que está na altura de ir…
-
Espera! – exclamou a rapariga, dando um passo em frente, fazendo com que o
jovem desse outro para trás. – Disseste que os Treinadores Pokémon partem numa
viagem. Então… tu estás a viajar, é isso?
-
S-sim. – respondeu, ainda surpreso com o movimento precipitado da jovem.
-
Será que me podes ajudar? – levou a mão até ao bolso do seu vestido, retirando
um envelope de papel amarelado do seu interior. – Preciso que entregues isto a
um grande amigo meu.
-
Oh. – o seu olhar voltou-se para o envelope antigo que a jovem erguia. – E onde
posso encontrar o teu amigo?
-
O nome dele é Frank. – murmurou. – Da última vez que estivemos juntos, ele
disse-me que o poderia encontrar em Ballonlea.
-
Certo. Ballonlea não fica muito longe. – respondeu. – E por que não o entregas
tu mesma?
-
Oh. Eu não posso sair de Hammerlocke…
O
jovem assentiu com a cabeça. Não tinha a mesma ingenuidade que a outra para lhe
perguntar o motivo de não poder sair da cidade, mas imaginou que pudesse ser
uma questão familiar.
-
Sendo assim, acho que te consigo ajudar.
O
rapaz aproximou-se, esticou o braço e pegou no envelope amarelado. Por breves
segundos, conseguiu vislumbrar os olhos negros da menina. Atrás dos seus
cabelos longos e azuis, pareciam parados, submersos, sem transmitir qualquer
sentimento. Mas a jovem voltou a esconder o rosto pelas sombras da rua e o
Treinador Pokémon recuou, voltando a ocupar o seu lugar inicial.
-
Muito obrigado. – a voz da jovem ganhou um tom doce. – Espero que o Frank não
se tenha esquecido de mim.
-
Se lhe disser o teu nome, talvez isso possa ajudar.
-
Sim! – exclamou. – Cabeça a minha… nem me apresentei. O meu nome é Paula.
-
Paula. – repetiu. – Não te preocupes, irei entregar a carta ao teu amigo Frank.
-
Ser-te-ei eternamente grata. – falou, unindo as mãos junto ao tecido do
vestido.
-
É melhor pôr-me a caminho. – disse, arrumando a carta num dos seus bolsos.
-
Gostas de viajar durante a noite?
-
Sim. É tudo mais sossegado.
-
E não tens medo da noite?
-
Não. Sinto-me em paz. – falou, tranquilamente.
-
Uau. – a menina afastou-se ligeiramente. – Sendo assim, é melhor deixar-te ir.
-
Vemo-nos em breve.
O
rapaz virou costas e voltou a encontrar a rua escura, iluminada pelos altos
candeeiros da cidade. Quando começou a caminhar, voltou a ouvir a voz da jovem
atrás de si.
-
Nem te perguntei. Como te chamas?
O
Treinador Pokémon parou, com um pé à frente do outro, e respondeu, sem se
voltar para trás.
-
Allister.
•
• •
As
portas automáticas do Pokémon Center abriram-se. A figura do rapaz mascarado,
anteriormente iluminada pelas luzes artificiais do edifício, passou a receber a
luz natural dos cogumelos que irradiavam pelas ruas de Ballonlea. A cidade,
naturalmente escura e sombria, era espontaneamente composta por elementos da
floresta. Tal facto, afastava a maioria das pessoas daquele local. Mas Allister
contrariou a sua personalidade receosa e avançou à descoberta.
Depois
de fazer algumas questões aos funcionários do Pokémon Center, o jovem sabia
exatamente o que procurar. E não demorou a encontrar a casa de arquitetura
tradicional camponesa cuja entrada era decorada com dois cogumelos que
irradiavam as cores verde e azul.
De
forma calma, aproximou-se do passeio em pedra que se delineava até à entrada do
edifício. Reparou, de imediato, na presença de um rapaz de cabelo claro. O
jovem fechava o pequeno correio que se encontrava junto à entrada da casa.
Allister aclarou a garganta, ganhando coragem para falar com o desconhecido.
-
Boa noite. – saudou, de forma educada. – Estou à procura de uma pessoa chamada
Frank. Disseram-me que o podia encontrar aqui.
-
Olá! – exclamou o jovem, virando-se e observando a figura de Allister com
atenção e curiosidade. – Uau. Que grande máscara! Vais para alguma festa?
-
Oh. Não. – murmurou o Treinador Pokémon, retraindo-se de imediato com o
comentário. – Talvez me deva ir embora…
-
Espera! – pediu o outro, à medida que Allister começava a caminhar na direção
contrária. – O meu avô chama-se Frank.
O
rapaz parou de imediato, espreitando por cima do ombro. O menino permanecia em
silêncio, a olhar para a sua figura peculiar. Revelava, em simultâneo,
curiosidade e relutância. Afinal, não era todos os dias que encontrava uma
pessoa a usar uma máscara que cobria todo o seu rosto.
-
O teu avô? – repetiu Allister.
-
Sim. Ele está lá dentro. – apontou para o interior do edifício. – Queres
entrar?
O
Treinador Pokémon assentiu e acompanhou o mais novo. Caminharam em silêncio até
ao interior da casa. O salão de entrada era composto por um grande espelho,
plantas verdejantes e uma das paredes estava cheia de fotografias de família. O
jovem fechou a porta atrás de si. Allister observava atentamente o local.
-
Avô! – chamou. – Está aqui uma pessoa que quer falar contigo.
Não
demorou até que um senhor idoso aparecesse na divisão. Usava uma camisa branca
e um colete castanho. As calças cinzentas contrastavam com os sapatos
ortopédicos pretos. Na cabeça, trazia uma boina castanha. O seu olhos concentraram-se
na figura do desconhecido mascarado, fazendo o seu bigode arrebitar ligeiramente.
-
Olá, meu jovem. – cumprimentou o senhor, aproximando-se e estendendo a mão.
Allister
hesitou por alguns momentos. Evitava contacto humano a todo o custo. Mas depois
da insistência do mais velho, esticou o braço, apertando a sua mão.
-
O-olá, senhor. Estou à procura de uma pessoa chamada Frank. No Pokémon Center
disseram-me que o poderia encontrar aqui, mas talvez tenha percebido mal as
direções…
-
Nada disso. – respondeu. – Estás no sítio certo, rapaz. O meu nome é Frank.
Allister
esboçou um olhar confuso. Havia alguma coisa que não fazia sentido.
-
Estranho. Conheci uma menina em Hammerlocke que me falou de um amigo chamado
Frank… - fez uma pausa. – Hm. Estava à espera de alguém mais… jovem.
-
Uma rapariga em Hammerlocke? – repetiu o outro.
-
Sim. O nome dela é Paula.
Os
olhos do velho saltaram do seu rosto. A sua expressão facial alterou-se por
completo. Parecia confuso, surpreendido e incrédulo ao mesmo tempo.
-
Não é possível! – exclamou assustado. – A Paula era uma amiga da minha
infância, quando eu ainda morava em Hammerlocke com os meus falecidos pais. A
última vez que a vi, antes de nos mudarmos para Ballonlea, ela estava
gravemente doente.
-
Não estou a perceber, senhor…
-
Jovem, a minha amiga Paula morreu há décadas! – gritou. – Que tipo de
brincadeira é esta? – Frank começava a ficar cada vez mais agitado.
-
Senhor, juro-lhe que estou a dizer a verdade. – disse Allister. – A própria
Paula deu-me uma carta para a entregar a si. – colocou a mão ao bolso e retirou
o envelope amarelado do seu interior. – Aqui está.
Frank
recebeu o envelope de papel, abrindo-o rapidamente. Desdobrou a folha que se
encontrava no interior e, de imediato, começou a ler o seu conteúdo. Não
demorou até que os olhos do idoso se enchessem de lágrimas. A emoção que sentia
à medida que lia uma nova entrada daquela carta de amor antiga era inexplicável.
As suas mãos começaram a tremer, revelando um homem comovente, que recordava as
memórias de uma paixão perdida.
-
Avô… tem calma. – pediu o neto, que permanecia em silêncio.
-
Isto não é possível. Como é que…
As
lágrimas rolavam agora pelo rosto de Frank. As palavras de Paula relembravam a
infância dos dois e as promessas que, por motivos alheios, nunca chegaram a ser
cumpridas. Era uma vida que já tinha passado. E agora restavam apenas as memórias
escritas.
-
Lamento muito, senhor Frank. – falou Allister. – A minha intenção não era
deixá-lo assim.
-
“Se estás a ler isto, é porque a minha hora chegou. Nunca te esqueças de mim,
querido Frank”. – leu o homem, entre soluços.
O
mais novo agarrou-se ao avô e envolveu-o num abraço, na tentativa de o
reconfortar. Frank continuava a soluçar, com o rosto voltado para a parede
decorada com fotografias antigas. Numa delas, o jovem Frank segurava a mão de
Paula. Allister voltou o olhar para o retrato e deixou a boca abrir-se,
espantado. A rapariga que ele encontrara em Hammerlocke era exatamente a mesma
daquela fotografia, captada há décadas. O Treinador Pokémon voltou o olhar para
o avô e o neto.
-
Mais uma vez, peço desculpa.
Allister
virou costas, abriu a porta de casa e saiu para a rua, voltando a encontrar a
noite sombria. Caminhou pelas ruas de Ballonlea, absorto de tudo o que
acontecia à sua volta. Tentava fazer sentido de toda aquela situação
inexplicável. Mas parecia logicamente impossível.
• • •
Uma criatura de corpo roxo
flutuava pelas ruas noturnas de Hammerlocke. O seu rosto, composto por dois
olhos grandes e triangulares e uma boca afiada, era formado por gás, que
produzia formas incoerentes e aleatórias. Existiam ainda duas mãos, cada uma
com três dedos afiados, que levitavam ao lado do rosto do Pokémon.
Atrás da criatura, que
rondava as fronteiras do grande castelo da cidade, surgia Allister. Os seus
olhos observavam todo o local em redor com a máxima atenção. Parecia procurar
algo ou alguém.
- Haunter, foi mesmo aqui que
nos encontrámos. – falou. – Consegues sentir alguma coisa?
O Pokémon assentiu e levantou
um dedo, pedido ao jovem para aguardar. Momentos mais tarde, a grande língua de
Haunter lambeu o ar. Allister estremeceu, mas logo percebeu o que se passava.
Ao lado do Ghost-Type,
surgiu um tecido púrpura, que ganhou a forma de um vestido. De seguida, o corpo
e o rosto empalidecido de Paula emergiram. A rapariga, de olhos negros sem
vida, levitava pelo ar. Os braços caíam ao lado do tronco, enquanto a cabeça,
ligeiramente tombada, fixava a figura de Allister.
O jovem sentiu o seu corpo
estremecer. Tentou mexer-se ou falar, mas todos os músculos permaneciam
imóveis. A ansiedade, a estranheza e o medo tomavam conta do acontecimento
sobrenatural.
- Obrigado. – murmurou Paula.
A sua voz ecoou pela rua
gelada de Hammerlocke. Antes de Allister conseguir sequer reagir, o corpo da
rapariga dissipou-se no ar, desaparecendo por completo. O Treinador Pokémon
permaneceu imóvel e Haunter voltou a sua atenção para o rapaz petrificado. O
Pokémon conseguia sentir o seu pavor.
- O que raios acabou de acontecer!? – falou finalmente, fitando as muralhas do castelo com milhares de histórias por contar.
Amo este momento no jogo. Muito obrigado por o recriares. Está incrível. Agora fiquei ansiosa para mais contos!
ReplyDeleteObrigado pelo apoio, Shiny! Este também é um exercício para, enquanto autor, regressar ao ritmo da escrita. Vamos ver quais os próximos contos que Galar tem para revelar...
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